Hoje quero falar sobre a nossa teimosa mania de segurar a felicidade, sensação que nunca prometeu ser duradoura, apesar de desejarmos com todas as forças.
Serei breve — disse ela — mas você ignora e arruma a vida e a casa toda para que ela decida morar com você para todo o sempre. Mesmo assim, ela não fica, diz que precisa partir bem quando você está no auge, sorrindo à toa, em êxtase.
O que será que você fez que a espantou? Será que o problema é com você?
Não, o problema é que você tentou segurá-la por um tempo que ela não resiste, pelo menos não daquele jeito que você a quer, no auge. A felicidade escapa quando você tenta esticá-la e moldá-la para que seja sempre daquela forma, plena e total.
Ela gosta e vive também em outros formatos: pequena, em doses diárias de sorrisos, de uma palavra gentil, de uma lembrança gostosa. Ela existe na poesia escondida nas crônicas da vida diária. Ela é avessa a regras e à pressa e adora aparecer do nada, despertando reações inesperadas.
Existe um trecho, o mais lindo que já li, no conto Felicidade Clandestina em que Clarice Lispector conseguiu segurar a felicidade de uma forma que nunca vou esquecer:
“Como contar o que se seguiu? Eu estava estonteada, e assim recebi o livro na mão. Acho que eu não disse nada. Peguei o livro. Não, não saí pulando como sempre. Saí andando bem devagar. Sei que segurava o livro grosso com as duas mãos, comprimindo-o contra o peito. Quanto tempo levei até chegar em casa, também pouco importa. Meu peito estava quente, meu coração pensativo.
Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara o livro, achava-o, abria-o por alguns instantes. Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade sempre iria ser clandestina para mim. Parece que eu já pressentia. Como demorei! Eu vivia no ar… havia orgulho e pudor em mim. Eu era uma rainha delicada.
Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo.”
Pra mim, não existe definição melhor do que é se sentir feliz e querer segurar essa sensação. Sei que não podemos evitar essa vontade, mas podemos reconhecer e valorizar a felicidade em outros formatos, em outros gostos, em outros cheiros e em outras texturas.
Com todos os sentidos que temos, isso não deve ser tão difícil assim, não acha?
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